Artigo/Opinião: Lembranças da ditadura – Por José Paulo Cavalcanti (*)
Lembranças da ditadura
Passados 60 anos do golpe, e 10 anos do fim de nossos trabalhos na Comissão Nacional da Verdade, anoto, para não passar em branco essa data, umas poucas lembranças:
1. DOIS PERSONAGENS. Depois de conhecer os fatos, mudou a dimensão que tinha de ao menos dois personagens daquele tempo. Um foi o presidente Geisel, que hoje considero apenas um carniceiro. Na Guerrilha do Araguaia, por exemplo, pouco mais de 20 guerrilheiros foram presos sob a promessa de que, depois de prestarem depoimentos, suas vidas seriam garantidas. E acabaram todos mortos. Por ordens superiores. Geisel foi quem deu o nome da operação, “Limpeza”. Limpeza de gente. Daqueles homens e mulheres que ficaram plantados naquelas terras, para sempre.
Outro personagem foi o ministro do SNI, Golbery do Couto e Silva. De quem tenho, hoje, impressão positiva. Era alguém diferente, que compreendia bem como a história se escreve. Criou o SNI, não apenas para fiscalizar os opositores do regime. Sobretudo, para controlar os seus, especialmente capitães e majores que não mais obedeciam aos generais. Veja-se, por exemplo, as explosões das bancas de jornais, tentativa de disseminar o terror. Ou o caso do Riocentro, programado para ser um morticínio. Outro dia conto algumas histórias dele. Como, por exemplo, a de quando evitou que Brizola fosse morto.
A evidência de corrupção ampla, no período, não para por aí. No início de 1969, começava a nascer a Operação Bandeirantes – OBAN. Pensada para ser o braço clandestino dos órgãos de segurança. E responsável por boa parte das torturas e desaparecimentos forçados que se deram, na época. O ato (informal) que celebrou sua criação deu-se em 01/7/69, contando inclusive com a presença de figuras das elites políticas (Abreu Sodré, Paulo Maluf) e empresários de São Paulo.
Tanto foi o sucesso (na versão das forças de segurança) do empreendimento que, em fevereiro de 1970, o major Waldyr Coelho (chefe de Coordenação de Execução da Central de Operações da OBAN) sugeriu, ao Comando do II Exército, a criação de uma OBAN específica contra a corrupção (documento ACE 16.645-70, Arquivo Nacional). Que era grande, claro. Sem sucesso.
Naquele tempo, a ideia de combater a corrupção se limitava a punir os que recebiam grana. Sem atingir empreiteiros ou militares que lhes davam cobertura. Talvez porque todos fossem velhos companheiros da Ditadura. Hoje é diferente. Nossas prisões passaram a ser frequentadas, também, por donos de construtoras e agentes políticos (que substituíram, na periferia do poder, aqueles militares). Pena que só por breve tempo, depois o Supremo decidiu que melhor irem todos para casa. Ou voltar a exercer cargos públicos. Sem esquecer que também estão, hoje, tentando cancelar suas multas. Uma vergonha, perdão por dizer.
Excelente crônica. Parabéns!
E ainda tem gente que defende golpe militar e ditaduras, seja de esquerda ou de direita.