Artigo/Opinião: Lula é isso aí…Editorial do Estadão (*)
Lula é isso aí
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…Os eleitores de hoje são mais críticos e menos fiéis. Não só passaram a ver certos programas e benefícios como um direito básico, e não como um favor digno de retribuição, como também têm ambições e expectativas que exigem novas agendas…
Convictos de que a comunicação vai redimir o governo do mau desempenho nas pesquisas de popularidade, o presidente Lula da Silva e seus exegetas recorreram nesta semana a uma patranha tipicamente lulopetista: a organização de um grande ato público, planejado sob o pretexto de “prestar contas” e celebrar bons resultados, mas convertido em peça marqueteira para difundir a ideia de que o governo é bem melhor do que aparenta. De quebra, atribuiu falhas a terceiros e tentou convencer o público de que, a despeito de sua impopularidade, o demiurgo petista é a melhor opção para conquistar o voto do eleitor em 2026. Foi essa a natureza do evento “Brasil dando a volta por cima”, realizado na quinta-feira passada no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
O método é conhecido, mas ainda assim causa perplexidade a naturalidade com que a solenidade festiva, organizada pelo ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Sidônio Palmeira, misturou atos de governo com a lógica de comitê eleitoral. Para tanto, recorreu-se a duas obsessões do lulopetismo: a comparação com o seu inimigo preferencial, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e a convicção de que Lula reinventou o Brasil, reconstruindo o que o antecessor supostamente destruiu. Com a marotagem marqueteira, Sidônio Palmeira tenta também mostrar que a comunicação – durante muito tempo apontada como a principal responsável pela crescente impopularidade de Lula – enfim melhorou.
Cumprindo o manual do novo ministro, Lula ampliou consideravelmente o número de aparições e discursos públicos; programas considerados estratégicos foram reafirmados e empacotados em peças publicitárias triunfantes; anúncios já feitos passaram a ser reeditados como novidade; por fim, diariamente difundem-se números e feitos como “marcas” da atual gestão – como se viu, por exemplo, na longa lista de realizações divulgada pela equipe de Sidônio Palmeira.
Esse investimento pesado está baseado na presunção de que os eleitores até agora foram incapazes de perceber as inúmeras virtudes do governo Lula. A chegada à Secom do marqueteiro de Lula serviria, portanto, para mostrar essas virtudes aos desatentos brasileiros. Quase três meses depois, porém, a popularidade caiu ainda mais e se estabilizou em baixa – e, para infortúnio do presidente, sua impopularidade vem crescendo inclusive em regiões e faixas do eleitorado que até pouco tempo pareciam imunes à mediocridade do governo.
Ao contrário do que pensam os petistas, contudo, a comunicação do governo está funcionando, sim, e muito bem – e é exatamente por isso que a popularidade do presidente só faz cair. O eleitorado não é bobo e já entendeu perfeitamente que o governo petista só tem a mostrar as ideias e os projetos de 20 anos atrás. Basta ver os cidadãos escolhidos para falar no evento e mostrar como suas vidas foram transformadas pelo Bolsa Família e o Farmácia Popular, além de serem exibidas supostas façanhas de outras iniciativas que se tornaram célebres em gestões anteriores do PT. Eis aí o busílis: o terceiro mandato de Lula é uma soma rançosa de velhas soluções prescritas para novos problemas.
Lula e o PT ainda acreditam numa gratidão popular que já não existe mais. Historicamente, o voto econômico explicava a popularidade dos governantes. Benefícios sociais e maior renda se traduziam em apoio eleitoral. Mas a sociedade mudou e, com ela, a lógica política. Os eleitores de hoje são mais críticos e menos fiéis. Não só passaram a ver certos programas e benefícios como um direito básico, e não como um favor digno de retribuição, como também têm ambições e expectativas que exigem novas agendas. Não basta, portanto, reciclar ideias antigas e convencer os cidadãos de que há hoje melhores indicadores econômicos do que sob Bolsonaro. É preciso mais.
A “volta por cima” pregada pela festa governista, portanto, não diz respeito a um recomeço que ilumina a expectativa para o futuro, mas tão somente revive o passado idealizado. A população percebe os “feitos” do terceiro mandato – e decididamente não gosta do que vê. Trata-se do mais grave tipo de frustração popular: aquela que é fruto da constatação de que o presidente e seu governo não têm muito mais a oferecer, porque Lula é isso aí.
(*) Fonte: Editorial do Estadão