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Atualidades: A espinha dorsal do Estado – BR-232, quilômetros de histórias e desenvolvimento (*)

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ESTRADA PERNAMBUCANA

BR-232, quilômetros de histórias e desenvolvimento

–  Pioneirismo, obstinação e transformações: entenda como se deu a evolução da      rodovia, a principal ligação entre Recife e o Interior de Pernambuco

Serra das Russas, na BR-232 – Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco

Molière, Capistrano de Abreu, Agamenon Magalhães e Josenildo Santos. Um dramaturgo, um historiador, um ex-governador de Pernambuco e um empresário, respectivamente. Distantes por séculos, profissões, países ou cidades. Próximos por uma estrada. De forma abstrata, em caminhos que se cruzam por conta da transformação de um espaço. E também no concreto – contrário ao metafórico, mas também literal ao falar do material que pavimenta vias que carregam histórias e pessoas. Muitas, em ambos os casos. A BR-232 (intitulada rodovia Luiz Gonzaga) faz essa ligação. Do passado ao presente. Da capital ao interior. De Pernambuco a… Pernambuco.

“É comprida a estrada que vai desde a intenção até à execução”. A frase do francês Molière cai bem no desafio que Pernambuco teve na implantação da rodovia de 552 quilômetros de extensão, partindo do Recife até a cidade de Parnamirim, no Sertão. Segundo o historiador Capistrano de Abreu, na obra “Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil”, o estado praticamente não tinha sido explorado além dos limites da região que hoje corresponde ao município de Bezerros, pouco mais de 100 quilômetros distante do Recife. Em 1830, o Conselho Geral da Província levantou a necessidade de uma melhoria nas estradas. Era o primeiro esboço do que, no século seguinte, se tornaria a BR-232.

Obras na BR-232 no trecho de Tejipió

Plano Rodoviário e mudanças no nome

Após a Revolução de 1930, Carlos de Lima Cavalcanti assumiu o governo do Estado, na condição de Interventor Federal. No período, foi elaborado o Plano Rodoviário. Das rodovias citadas como parte do projeto de desenvolvimento, estava a BR-232. Na época, o local era conhecido como Estrada Tronco Central – chamado depois de Estrada Transversal de Pernambuco, rodovia Agamenon Magalhães e BR-25.

Antes, partia do Marco Zero, no bairro do Recife. Hoje, tem o quilômetro zero próximo à ponte da Madalena, na Zona Norte da capital, terminando no entroncamento da BR-316, em Parnamirim – anteriormente, se estendia até Petrolina, tendo 759 quilômetros.

Triplicação da BR-232, no Curado

Nomenclatura da rodovia

Desde 1º de janeiro de 1965, entrou em vigor a Lei nº 4.592, de 29 de dezembro de 1964, dispondo sobre o Plano Nacional de Viação (PNV). Foi estabelecida uma modificação na nomenclatura das rodovias e a BR-25, no trecho entre Recife e Parnamirim, passou a ser denominada BR-232, caracterizada como uma rodovia transversal.

O trecho compreendido entre Parnamirim e Petrolina passou a integrar a rodovia BR-122. Atualmente pertence às rodovias PE-555 (em uma extensão de 94 quilômetros a partir de Parnamirim), BR-122 (35 quilômetros a partir do final da PE-555 e até Lagoa Grande), BR-122 e BR-428 (51 quilômetros entre Lagoa Grande e Petrolina).

Uma curiosidade: as rodovias de ligações de leste a oeste, caso da 232, começam sempre com o número dois. A numeração seguinte varia de 00 a 99. O número de uma rodovia transversal é obtido por interpolação, entre 00 e 50, se estiver ao norte da capital, e entre 50 e 99, se estiver ao sul. Tudo isso em função da distância ao paralelo de Brasília.

Armando Monteiro Filho, ex-secretário de Viação e Obras Públicas de Pernambuco

A “Batalha da Pavimentação”

Até o início da década de 1950, a rodovia tinha poucos trechos pavimentados. Cenário que mudou após a participação de dois personagens. “O governador Agamenon Magalhães e Armando Monteiro Filho (secretário de Viação e Obras Públicas) foram importantes na construção da BR-232. Quando Agamenon assumiu o Estado em 1950, a pavimentação ia até Moreno apenas. Uma viagem a Caruaru, por exemplo, levava em média cinco horas. Em épocas de inverno, não era possível passar na estrada. Começou aí a ‘Batalha da Pavimentação’, com obras até Caruaru”, afirmou o professor e engenheiro civil Maurício Pina, autor do livro “BR-232, um caminho de Engenharia e História”.

O diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem da época era Abdias de Carvalho, que também dá nome a um trecho da 232. Outros pontos pavimentados foram em Moreno e Vitória, além do acesso ao Planalto da Borborema, na subida da Serra das Russas, em Gravatá.

BR-232 trecho próximo a Bonança, Moreno.

Pioneirismo e independência

Pina conta que Pernambuco foi pioneiro em todo o Norte-Nordeste na pavimentação de suas rodovias, iniciando obras na mesma ocasião das reformas na Via Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro. Com um porém. “O Estado desembolsou mais do que o Governo Federal na época para fazer a BR-232”, disse.

Agamenon criou quatro tributos para custear o projeto de pavimentação: a taxa rodoviária do licenciamento anual dos veículos; o adicional de 0,4% sobre o Imposto de Vendas e Consignações, o atual ICMS; taxa de pedágio nas rodovias estaduais pavimentadas; além da contribuição de melhoria, cobrada aos proprietários dos imóveis localizados em uma faixa de cinco quilômetros para cada lado das rodovias estaduais pavimentadas – essa última, porém, não chegou a ser exigida.

BR-232, no trecho próximo a Caruaru

Primeiro, as estradas; o resto, elas darão

A frase de Agamenon prova que Pernambuco considerava que a melhora nas rodovias traria consequentemente um retorno financeiro. “Os governadores seguintes, como Torres Galvão, Etelvino Lins de Albuquerque e outros, deram continuidade a esse pensamento. Com a duplicação, várias cidades, como Caruaru, Vitória de Santo Antão e Gravatá, tiveram um grande impulso com a implantação de indústrias e crescimento imobiliário. Bezerros, Belo Jardim e Pesqueira ganharam um deslocamento melhor até a capital. O investimento feito pelo Estado impulsionou a geração de empregos”, argumentou o engenheiro. Segundo o autor, a rodovia proporcionou redução no número de acidentes, do tempo de viagem, além de incentivar maior turismo ao interior.

Folha de Pernambuco percorreu diversos trechos da BR-232. Pelo caminho, encontrou pessoas que tiram da rodovia o sustento com pequenos negócios. “Esse ponto aqui era do meu sogro, há 20 anos. Depois, ficou com meu marido, mas agora ele está trabalhando no Recife e eu fico cuidando para ser o complemento de renda da família”, declarou Fabiele Marlene, de 27 anos, que vende milho no distrito de Bonança, em Moreno.

Fabiele Marlene vende milho às margens da BR-232, em Moreno

Em Bezerros, na Encruzilhada de São João, fica um comércio famoso de bolachas e pamonhas. “Já atendi gente de vários estados. Eles passam, encontram essa área cheia de produtos e ficam curiosos. É o nosso ‘ganha pão’ e a BR-232 é o que acaba atraindo os turistas”, apontou Flaviana Maria, de 25 anos.

O “Rei” na BR-232

Foi às margens da BR-232 que dois irmãos nascidos em Gravatá subiam em ônibus rodoviários vendendo lanches. Um negócio que cresceu e, em 1987, virou o Rei das Coxinhas. Com 11 lojas e diversos pontos de venda, a empresa virou um dos locais mais visitados da rodovia.

Josenildo Santos, proprietário do Rei da Coxinha

“A BR-232 foi fundamental para o negócio. Com a duplicação, ficou ainda melhor, gerando muitos empregos. Só tínhamos uma lanchonete anteriormente e, com o aumento da rodovia, construímos mais uma loja em Gravatá. Caso dupliquem até Serra Talhada, por exemplo, poderemos construir mais unidades, melhorando também o movimento da região. Essas obras farão as pessoas terem mais vontade e condições de conhecer o Agreste e o Sertão”, destacou um dos irmãos e dono do empreendimento, Josenildo Santos.

No quilômetro 77, em Gravatá, uma casa chama atenção de quem passa. Logo na entrada, fica um moinho de milho, ao lado de quadros e esculturas de barro. Dentro, as peças se multiplicam. Vão desde uma máquina de escrever até um kit de costura, passando por um berrante, objetos de cozinha e moedas de décadas atrás. Um mini museu cuidado pelo restaurador Cícero Firmino, de 51 anos. “Esse negócio começou com meu pai, há 50 anos. Ele era um ‘matuto’ inteligente: comprava, vendia e restaurava antiguidades. Depois que ele morreu, eu passei a cuidar. O pessoal que passa por aqui vem para apreciar o passado”, relatou.

Cícero Firmino vende e restaura antiguidades na BR-232

O assistente administrativo Renato Carvalho não tem comércio na BR-232, mas foi às margens da rodovia que ele escolheu comemorar os 34 anos de vida. “Vim com minha mãe, minha esposa e minha filha. Não montei um destino definido, mas queria passear e parei aqui em uma lanchonete para fazer um café da manhã de aniversário. Gostamos do clima do interior e decidi fazer uma celebração diferente”, contou.

BR-232 trecho da Serra das Russas em Gravatá.

A BR-232 passou por diversas modificações nos últimos anos, com pavimentação, restauração, duplicação e triplicação (a exemplo do trecho próximo da BR-101 até a entrada da BR-408). Às margens da rodovia, há negócios que passam desde o Memorial do artista José Francisco Borges, o “J Borges”, em Bezerros, até o centro de compras do Recife Outlet, inaugurado em 2021, em Moreno. Segundo dados recentes do Departamento Estadual de Estradas e Rodagem (DER), 67 mil carros trafegam por dia no local.

Sob a gerência do Estado desde 2000, durante o governo de Jarbas Vasconcelos, no trecho de 130 quilômetros entre Recife e Caruaru, a rodovia ficará novamente com a União. A “devolução” acontecerá antes do prazo final do convênio, que vence em 2027. O Governo Federal promete investir R$ 300 milhões, sendo um dos projetos a duplicação no trecho entre São Caetano, no Agreste, e Serra Talhada, no Sertão.

Homenageado ao ter o nome marcado no local, além de uma estátua em um trecho da BR-232, no bairro do Curado, no Recife, o pernambucano Luiz Gonzaga fez indiretamente uma previsão, na canção “Nordeste para frente”, que remete bem à rodovia. “Senhor repórter, já que está me entrevistando, vá anotando para botar no seu jornal. O meu Nordeste está mudado. Publique isso para ficar documentado.”

(*) Fonte: Site do Jornal Folha de Pernambuco – Por William Tavares


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