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Movimento Cultural/Cinema: Kleber Mendonça Filho: ‘Nova York ou São Paulo não possuem um Cinema São Luiz, mas os pernambucanos não sabem disso’. Entrevista com Kleber Mendonça – Diretor do filme; ‘Retratos Fantasmas’

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Kleber Mendonça Filho: ‘Nova York ou São Paulo não possuem um Cinema São Luiz, mas os pernambucanos não sabem disso’. Leia a entrevista

  •  Diretor de ‘Retratos Fantasmas’ conversou com o JC sobre o seu novo longa-metragem, como foi recepção no exterior, além de comentar sobre o cinema brasileiro e a importância de preservar os cinemas de rua que resistiram

Kleber Mendonça Filho é cineasta, crítico e programador de cinema – Foto: VICTOR JUCÁ

O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho vive uma intensa agenda de sessões com o período de pré-estreia de “Retratos Fantasmas“, seu quinto longa-metragem. Após exibições cumpridas em Cannes, na França, Munique, na Alemanha, Sydney e Melbourne, na Austrália, o diretor voltou ao Brasil para abrir a edição do 51º Festival de Cinema de Gramado e seguiu para o Teatro do Parque, local que simboliza o universo do documentário: cinemas de rua do Recife.

Durante o período na cidade para a pré-estreia, realizada em 14 de agosto, Kleber conversou com o JC sobre detalhes do novo lançamento, como foi a recepção no exterior, além de comentar sobre o cinema brasileiro e a importância de preservar os cinemas de rua que resistiram. “Gosto de trabalhar no lançamento, de estar nas sessões, ainda mais num filme sobre as cidades e, especialmente, sobre o ato de ir ao cinema”. Confira:

JC – “Retratos Fantasmas” é divulgado como um documentário sobre os cinemas de rua do Recife. Logo no começo, essa expectativa é quebrada com uma parte dedicada ao apartamento que você viveu em Setúbal, na Zona Sul, com uma discussão mais ampla de relação com o espaço. O filme já nasceu assim?

Não. Inicialmente, o filme era sobre salas de cinema que foram me apresentadas ao longo da infância e adolescência. Mas, quando começamos a montar, me pareceu um negócio muito sem graça: um catálogo de salas, com uma “vibe” bem ruim de “National Geographic”. Comecei a entrar em crise, o que ocorre em todo filme. “Isso não vai dar certo”. Aí, aconteceu uma coisa totalmente orgânica. Eu morava naquele apartamento em 1979. Em 2016, a gente decidiu se mudar. No período de preparação, o ‘desapego’ começou a mexer com a minha cabeça. Eu comecei a lembrar que passei anos filmando aquele apartamento.

Cinema exibindo o filme de KM – Retratos Fantasmas

Não é apenas algo como “eu morei aqui muitos anos”, e mostrar uma foto. Era muito mais complexo, porque eu tinha uma sala de estar que foi filmada com várias decorações ao longo de 20 anos. Achei que fosse interessante falar um pouco sobre isso, e o filme ganhou sentido: o espaço e a relação que cada um tem com o espaço. Para mim, estava claro que essa parte seria rápida, como uma introdução, e finalmente chegaríamos no Centro. Eu conheço o Centro como conheço a minha casa, o que entra nessa geografia filmada do filme. Eu falo de um monte de coisa, e finalmente entro no Art Palácio, mas de maneira inesperada. A estrutura do filme é inesperada.

JC – No filme, podemos entender muitos detalhes de “O Som ao Redor” e “Aquarius”, filmes que também falam bastante sobre o Recife. Qual o papel da cidade na sua obra?

Isso é natural. Acho que, quando se olha para a cidade, é possível observar muito do seu comportamento. Eu estava em Gramado para o Festival de Cinema. Essa é uma cidade super turística e projeta um comportamento próximo do Europeu, mas é uma cidade brasileira. Ela está em conflito o tempo todo com ela mesma. Acho isso muito interessante. Quem sabe um dia não faço um filme lá? Recife é uma cidade que conheço muito bem, como a palma da minha mão. Talvez eu tenha filmado três ou quatro Recifes possíveis, ainda existem outros 40. Daniel Bandeira, em “Amigos de Risco”, filmou outro Recife. Cláudio Assis filmou outro Recife em “Amarelo Manga”. Cada filme pode ser ater a alguns detalhes e, se você for honesto, continuará sendo o Recife. Desafio alguém a dizer que “Retratos Fantasmas” não sobre o Recife.

JC – “Retratos Fantasmas” acessa muitas informações e imaginários particulares do Recife. Como você acredita que o filme se torna universal?

Aprendi que quando vejo “Faça A Coisa Certa”, de Spike Lee, eu conheço sobre o Brooklin, local que nunca fui. Ainda assim, é um filme muito bom. Depois, eu quero conhecer a cidade. Acho que no Brasil existe uma postura, até talvez muito aqui do Recife, de achar que as nossas coisas não merecem um certo tipo de atenção. Por exemplo: o primeiro filme do Pedro Almodóvar se passa em Madrid. Quando eu o vi pela primeira vez, nunca havia visto um filme situado em Madrid. As pessoas falam de onde moram. A Nova York se Spike Lee não é a Nova York de Woody Allen, que já é mais rica e sofisticada. Scorsese mostra outra Nova York. É muito bom ler uma crítica americana saindo assim, me perdoe a egolombra (risos): “Como Godard em Paris, Kleber Mendonça Filho filma o Recife”. Acho que isso é do caralho.

JC – Além de Cannes, o filme foi exibido em Munique, na Alemanha, e em Sydney e Melbourne, na Austrália. Algum relato do público te surpreendeu? Ouviu algum sentimento de identificação?

Não sei porque, mas o filme me pareceu muito bem recebido em Melbourne, na Austrália, no Melbourne International Film Festival (MIFF). Tiveram várias reações que achei muito boas lá. Ao mesmo tempo, na semana passada, dei uma entrevista para uma revista canadense e ouvi do entrevistador uma visão um pouco colonialista: “Você identifica Janet Leigh e Tony Curtis, mas também identifica várias pessoas que não sei quem são”. Ai eu disse: “Mas agora você sabe quem são”. (risos) Eu apresento Geraldo Pinho e Gustavo Coimbra da mesma forma como apresento Janet Leigh e Tony Curtis. Agora você sabe quem é Geraldo Pinho (gerente e programador do Cinema São Luiz). Spike Lee fala coisas que só quem mora no Bronx ou no Brooklin sabem. Essas coisas passam pela minha cabeça, mas imagino que sejam interessantes.

JC – Recentemente, uma matéria da Folha de São Paulo mostrou que o cinema nacional tem vendido um baixíssimo percentual de bilheteria, ao mesmo tempo em que vivemos um ‘boom’ de ida ao cinema com filmes de Hollywood. Qual o caminho para resolver isso? A Ministra da Cultura defendeu a cota de tela recentemente…

Eu estou completamente do lado dela. Eu estava em Gramado e a ouvi falando. A gente precisa restabelecer a cota de tela, que é um mecanismo que a Coréia do Sul, de “Round 6” e “Parasita”, usa. A França tem cota de tela. O Brasil também tinha, mas caiu por parte das sabotagens dos anos Temer e Bolsonaro. É muito importante lembrar que Temer foi quem começou a destruição da cultura brasileira. Se o normal de uma sala é ter ar condicionado e alguém o desligar, logo sairá uma notícia dizendo que “a sala nunca esteve tão quente”. Agora, vem um novo governo e resolve. É uma questão de cidadania, soberania e que está na constituição. A gente precisa proteger o produto audiovisual brasileiro.

Quando “O Som ao Redor” estava tendo uma boa carreira internacional, recebi a ligação do programador do Kinoplex no Norte e Nordeste. Ele queria saber quando estreava aqui, porque precisava preencher a cota de ela com um filme que era muito bem falado, brasileiro e pernambucano. Era uma conjunção de coisas que dá um exemplo prático de como funciona a cota. Em 2019, a cota ainda estava sendo aplicada e foi incrível: teve “Bacurau”, “A Vida Invisível”, do Karim Aïnouz, “Turma da Mônica: Laços”, do Daniel Rezende, e “Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral”, de Halder Gomes. Era um universo de relativo sucesso de bilheteria e sucesso internacional, com 13% de cota. Agora, temos um 1% de bilheteria nacional porque não temos cota. Estamos saindo da pandemia, quando o mundo inteiro levou uma rasteira. Acho que a matéria acabou sendo sensacionalista, não explicando de maneira correta esse universo.

JC – No começo do ano, você escreveu uma carta aberta ao Governo de Pernambuco para pedir informações sobre o Cinema São Luiz. Acha que o poder público vem dado a importância que às salas de rua “remanescentes”?

Na época da carta, eu tinha muita preocupação porque o novo governo não estava se comunicando em relação a nada de cultura. A minha preocupação foi externada. Poucas cidades do mundo tem um São Luiz, mas o pernambucano não sabe disso. Nova York, em Manhattan, não tem um São Luiz. São Paulo também não. Ele é uma máquina de cultura e energia para a cidade. Quando fazemos o Janela Internacional de Cinema, temos mil pessoas dentro e 700 fora esperando para acabar a sessão. É a prova de que a cultura movimenta a cidade.

O São Luiz fechado é uma perda para a cidade, para o governo e para a cultura do Brasil. Sorte a nossa que temos um Teatro do Parque a 250 metros. Isso não é pouca coisa. Isso é incrível. Ainda temos duas salas do passado. Talvez pela dinâmica de briga, a cidade tenha conseguido manter esses espaços. Perdeu-se muitos outros. Mas, conseguimos manter espaços que são de nível internacional de “boca aberta”. Então, o São Luiz precisa reabrir o mais rápido possível. Sei que existem questões técnicas e de engenharia. O dinheiro investido é ganho em formação de público, em segurança, em identidade e cidadania. Uma sala como essa constrói caráter. Esse caráter não vai ser construído em um multiplex.

Fonte: JC Cultural – Jornalista Emmanuel Bento


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