Movimento/História/Política: 200 anos do Parlamento Brasileiro – A Constituinte de 1823
200 anos do Parlamento Brasileiro – A Constituinte de 1823
– O debate parlamentar na Construção do Estado Brasileiro
– A primeira experiência parlamentar brasileira foi a Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, instalada em 3 de maio de 1823, no Rio de Janeiro. Essa data deu origem ao Dia do Parlamento. Embora tenha sido dissolvida, é reconhecida por historiadores como o início do Poder Legislativo no País, pois reuniu deputados eleitos para elaborar uma Constituição e dotar a nação de um novo ordenamento jurídico.
APRESENTAÇÃO
A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823 do Império do Brasil, instalada no dia 3 de maio, reuniu representantes eleitos em todo o país para elaborar a Constituição e criar um ordenamento jurídico próprio do nascente Estado brasileiro. Ao longo de seis meses de intensa atividade parlamentar até seu fechamento por D. Pedro I, a Assembleia produziu decretos, leis, projetos de lei, um projeto de Constituição e outros documentos que refletem o debate público sobre a construção do país.
Diferentes grupos sociais acompanhavam os debates e decisões da Assembleia, manifestando suas demandas e interesses por meio de cartas, petições e representações enviadas à Constituinte. Administradores das províncias, cidadãos de diversas cidades do país e mesmo uma escrava produziram uma correspondência que revela múltiplas demandas e expectativas de vários estratos sociais.
Aquele foi um momento histórico excepcional do país: o debate parlamentar sobre a construção do Estado brasileiro recém-independente. O rico acervo documental da Assembleia Constituinte de 1823, sob a guarda do Arquivo Histórico da Câmara dos Deputados, recebeu, em 2013, o registro “Memória do Mundo”, conferido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), pelo seu valor como patrimônio documental da humanidade.
DA CONVOCAÇÃO À INSTALAÇÃO
Meses antes da Independência do país, em 3 de junho de 1822, os procuradores das províncias solicitaram ao príncipe regente a instalação de uma assembleia de representantes provinciais para elaborar uma Constituição do Brasil. No mesmo dia, D. Pedro editou decreto atendendo à reivindicação.
Em 19 de junho de 1822, foram expedidas as instruções para a eleição de 100 deputados das diversas províncias.
A Revolução do Porto, ocorrida em agosto de 1820 em Portugal, teria grande influência sobre os acontecimentos no Brasil. O movimento levou à instalação, no início de 1821, das Cortes Constituintes de Lisboa, com a participação de representantes brasileiros escolhidos por meio de eleições gerais, as primeiras ocorridas no Brasil. Seu objetivo era criar uma monarquia constitucional e dar fim ao absolutismo régio em Portugal.
As decisões adotadas pelas Cortes de Lisboa com o objetivo de retomar o controle colonial português sobre o Brasil e acabar com sua autonomia administrativa geraram forte resistência por parte desses representantes e da sociedade brasileira. Os deputados brasileiros estavam em minoria nas Cortes: eram 75 em um total de 205 membros, tendo efetivamente comparecido 50 parlamentares.
Nesse momento, a contestação do regime colonial e do absolutismo monárquico, inspirados pelo pensamento iluminista, fazia parte do debate público em todo o continente americano. No início da década de 1820, vários países já haviam conquistado sua independência nas Américas, constituindo regimes constitucionais com a garantia de direitos individuais.
Em abril de 1821, as Cortes portuguesas exigiram o retorno de D. João VI a Portugal, ficando D. Pedro como príncipe regente no Brasil. A insatisfação com as decisões das Cortes de acabar com a estrutura administrativa criada a partir de 1808 com a vinda da família real para o país se acentuou.
A Proclamação da Independência do país, em 7 de setembro de 1822, fez com que a Constituinte já convocada ganhasse novo sentido: a construção do novo Estado nacional.
As eleições nas províncias ocorreram em diferentes datas. Os conflitos pela independência continuavam em alguns locais, enquanto outras províncias ainda decidiam entre a adesão ao novo Estado e a manutenção dos elos com Portugal. Portanto, nem todas realizaram eleições para escolher seus representantes na Assembleia.
Algumas províncias passaram por conflitos intensos até sua adesão definitiva à independência do Brasil: Pará, Bahia, Maranhão, Cisplatina (atual Uruguai) e Piauí. Na época da Independência, o Brasil possuía cerca de 4 milhões de habitantes, distribuídos em 19 províncias.
Foram eleitos 88 deputados, mas 5 deles não assumiram o mandato. As eleições ocorreram com base no voto censitário: o direito ao voto foi conferido a uma parcela pequena da população que possuía uma renda anual mínima estabelecida, propriedade de terras e uma certa quantidade de mandioca plantada.
Quase todos os constituintes eram brasileiros natos, integrantes das elites provinciais. Entre os representantes eleitos havia padres, matemáticos, médicos, funcionários públicos, militares, bacharéis de direito, juízes, desembargadores.
Sob o ponto de vista político, havia pelo menos três grupos distintos: os que defendiam o poder absoluto do monarca, os que buscavam submeter o Imperador ao Legislativo e uma ala que tentava conciliar esses dois outros grupos.
- Após as eleições, foram realizadas sessões preparatórias para verificação dos diplomas dos deputados eleitos e para elaboração de um regimento interno provisório.
3 de maio de 1823: sessão inaugural da Assembleia
A sessão contou com a presença de 52 parlamentares que já estavam na capital e somavam metade mais um do número previsto. Outros chegariam posteriormente, na medida em que novas províncias aderiam ao governo independente, resolvendo os conflitos com as tropas portuguesas e os grupos que ainda tinham interesse em manter o vínculo colonial com Lisboa. O Imperador abriu os trabalhos da Assembleia, fazendo seu pronunciamento.
Os representantes das províncias se reuniram para discutir, pela primeira vez, projetos comuns a todo o Brasil.
Cabia à Assembleia elaborar a Constituição e exercer a função legislativa ordinária.
ATIVIDADE LEGISLATIVA
Presidência e Mesa da Assembleia
A Constituinte teve seis presidentes eleitos pelo voto dos parlamentares. Eles se revezaram no cargo, exercendo o mandato por um mês cada. Na escolha dos membros da Mesa, vice-presidente e secretários, foi adotado o mesmo procedimento
José Bonifácio de Andrada e Silva
Regimento Interno
Uma comissão especial preparou um regimento provisório enquanto se elaborava o texto definitivo, que foi apresentado mas não chegou a ser votado integralmente.
Comissões
A Constituinte possuía Comissões Técnicas Permanentes e Comissões Especiais.
Regimento Interno:
Art. 146 – As Comissões Permanentes são: 1) da Constituição; 2) da Legislação e Justiça Civil e Criminal; 3) de Comércio, Agricultura, Indústria e Artes; 4) da Marinha e Guerra; 5) da Fazenda Nacional; 6) da Instrução Pública; 7) de Poderes; 8) do Eclesiástico; 9) da Estatística e Diplomática; 10) da Redação do Diário da Assembleia; 11) de Petições — de Saúde Pública — de Colonização, Catequese e Civilização dos Índios; 12) de Redação das Leis; 13) Comissão de Minas e Bosques; 14) da Polícia e Inspeção da Casa em que são membros natos o presidente e os dois primeiros-secretários.
Art. 146-A – Além destas Comissões Interiores haverá tantas Comissões Auxiliares de fora quantas a Assembleia julgar necessárias à requisição das respectivas Comissões Interiores.
Art. 147 – Para os casos ocorrentes que assim o exigirem, a Assembleia nomeará todas as Comissões Especiais que lhe parecerem.
O Projeto de Constituição
A Comissão de Constituição, criada em 5 de maio, possuía 7 membros e tinha como objetivo elaborar o projeto de Constituição que foi entregue em 1º de setembro de 1823, contendo 272 artigos.
A discussão do projeto de Constituição teve início em 15 de setembro, e 24 artigos foram aprovados após intenso debate. Os deputados demonstravam conhecimento sobre o que ocorria em outros países. Os princípios liberais permeavam os debates, embora o conservadorismo escravista dominasse amplamente as discussões.
200 ANOS DA CONSTITUINTE DE 1823
O significado da Constituinte de 1823 ultrapassa seu curto tempo de duração. A Assembleia estava inserida no quadro mais amplo do processo de independência nacional e expressou o debate público travado na época, ao mesmo tempo que o incentivou, mantendo diálogo com a imprensa e com diversos setores da sociedade.
Vários dos deputados participantes haviam sido protagonistas em momentos anteriores, inclusive em movimentos locais de independência. Posteriormente, diversos constituintes continuariam a fazer parte da arena política nacional, ocupando cargos eletivos e na administração do Império e nas províncias.
Dos deputados que participaram da Constituinte, 27 seriam reeleitos em 1826 para a primeira legislatura do Império. Além disso, 33 seriam senadores, 28 ministros de Estado, 18 presidentes de província, 7 membros do primeiro conselho de Estado e 4 regentes do império.
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