Logo, a nudez daquele grupo na praça deixou de chamar a atenção do público. Os profissionais do sistema judiciário, procuradores e juízes, empolgados com a atenção que receberam nos primeiros momentos, começam a ampliar o trabalho e tentar abastecer com novidades espetáculo. Estavam sendo tratados como heróis poderosos e necessitavam ter mais daquilo.
Os procuradores e juízes resolvem, então, ir além dos políticos e desnudam empresários, médicos, advogados e qualquer pessoa que estivesse passando pelo local.
Sistema
Quando não havia mais como ampliar o quadro, os procuradores e juízes tentaram desnudar até os colegas de Judiciário.
Criou-se um tipo de sistema social automático, no qual quem não apoiava a Operação Lava Jato, ficava nu também. Quem não os defendia “tinha algo a esconder” e deveria ser exposto.
Mas era um sistema aberto, que dependia da participação e apoio popular. É algo problemático.
Equívoco
A dificuldade dos sistemas abertos e dessa dependência popular é que eles são imprevisíveis e, depois de ativados, é quase impossível definir seu destino.
Acontece que, em determinado ponto, quando parecia não haver mais ninguém a desnudar, os próprios juízes e procuradores decidiram que agora seriam eles os políticos. Vestiram também seus ternos e suas gravatas de tecido nobre e foram aos púlpitos.
A aceitação era difícil. Eles ensinaram o público a relacionar aquelas plataformas à corrupção e resolveram subir nelas, eles próprios, depois. Foi um equívoco monumental.
Infantil
Na política e nas atividades sociais um erro estratégico quase infantil é criar um sistema que generaliza adjetivos de acordo com a função para depois tentar ocupar aquela mesma função. Você pode reclamar da conduta de um político, por exemplo, mas não pode defender que todos os políticos são corruptos se quiser, um dia, ser político também.
Com o tempo, aqueles profissionais do sistema Judiciário foram expostos pelo sistema que eles mesmos criaram, obrigados a ficar nus, e acabaram se juntando aos outros pelados da praça. Não exatamente por serem corruptos, mas porque alí ninguém podia ficar vestido. O sistema obrigava a ser assim.
Mensagens de conversas entre eles foram expostas e reclamar da invasão de privacidade era algo que os colocava em suspeita, porque não podia existir privacidade entre políticos. Os próprios procuradores e juízes da Lava Jato defenderam isso em determinado momento.
E terminaram “vítimas”.
Bota em lei
A consequência de tanta nudez, para os dias de hoje, é que ninguém mais “esconde as vergonhas”. Não há qualquer constrangimento em estar nu. Aquela cena horrorosa é parte da paisagem.
Quer um exemplo? Se antes o pagamento de dinheiro a deputados era investigado dentro de um grande escândalo, como o Mensalão, atualmente os parlamentares recebem dinheiro por um dispositivo amparado por lei e conhecido como “emendas pix”, mas que já se chamou orçamento secreto.
Como todos ficaram nus, o que acontecia de forma velada agora está no orçamento. E ninguém reclama.
Guerra santa
Os procuradores e juízes, por erros estratégicos, nunca conseguiram acabar ou diminuir a corrupção no Brasil. O que eles fizeram, na verdade, foi desnudar, arrancar a fantasia de probidade, moral e decência que havia na política brasileira.
Ninguém pode dizer que isso não era necessário. A corrupção deve ser combatida sempre. A questão é que isso foi realizado pela Lava Jato como se fosse uma guerra santa e não com a sobriedade, a inteligência e a resiliência necessárias para algo tão delicado.
Quando, por fim, esses agentes do Judiciário decidiram entrar na política, a fantasia dos “heróis” foi ao chão também. A Força Tarefa acabou quando Sergio Moro aceitou ser Ministro da Justiça. Por melhores que fossem as intenções dele, ali foi o fim.
Castigo da nudez
Moacyr Scliar escreveu um conto sobre a nudez em 1998 para a Folha de São Paulo. Nele, o escritor gaúcho relata a história de um rapaz que tinha uma câmera com raio-x pela qual poderia ver a lingerie da vizinha embaixo da roupa.
Um dia, a vizinha resolveu tirar toda a roupa e mostrou-se completamente nua ao rapaz. Scliar segue: “Ele mirou-a. Consternado. O corpo que via ali, um apenas razoável corpo de mulher, em nada correspondia às suas expectativas. Preferiria mil vezes o que tinha visto com a ajuda da câmera. Foi embora e nunca mais voltou… É o castigo da nudez explícita que recusa o disfarce da fantasia.”
Sem escândalo
Quanto aos políticos brasileiros, após tanta exposição e tanto tempo sendo xingados e recebendo tomates, aprenderam uma lição cínica, mas útil, sobre a nudez: “se ninguém tiver vergonha, também não haverá escândalo”.
Infelizmente, é o legado da Lava Jato!
(*) Autor/Fonte: Igor Maciel Jornalista, titular da Coluna Cena Política do JC.
O ministro Gilmar Mendes disse que a Lava-Jato era uma associação criminosa, ou seja, no Brasil de Gilmar Mendes, quem prende bandido é criminoso e quem solta bandido é mocinho.