Blog do Abelhudo

Política, Cultura, Economia e outros conteúdos relevantes

Artigo/Opinião: – Mídias Sociais, ódio, mentiras e a busca da verdade possível (*)

Compartilhe em Suas Redes Sociais

Mídias sociais, ódio, mentiras e a busca da verdade possível

  • Populismo pode ser de direita ou de esquerda, mas a onda recente tem sido caracterizada pela prevalência do extremismo de direita, frequentemente racista, xenófobo, misógino e homofóbico. Enquanto no passado existia uma Internacional Comunista, hoje, é a extrema direita

  •  

A democracia constitucional foi a ideologia que prevaleceu no século 20, na maior parte do planeta, superando os projetos alternativos que se apresentaram: comunismo, fascismo, nazismo, regimes militares e fundamentalismo religioso. O constitucionalismo democrático gira em torno de duas ideias principais que se fundiram no final do século 20.

O “constitucionalismo”, herdeiro das revoluções liberais na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na França, expressa as ideias de poder limitado, Estado de Direito e respeito aos direitos fundamentais. A “democracia”, por sua vez, é o regime de soberania popular, eleições livres e justas e governo da maioria. Em muitos países, a democracia só se consolidou verdadeiramente ao longo do século 20, com o sufrágio universal garantido pelo fim das restrições à participação política baseada em condição social, religião, raça, sexo ou nível de educação.

As democracias contemporâneas são feitas de votos, direitos e razões. Elas não se limitam à integridade dos processos eleitorais, mas exigem, também, o respeito pelos direitos fundamentais de todos os cidadãos e um debate público permanente que informa e legitima as decisões políticas. Para garantir a proteção desses 3 elementos essenciais, a maioria dos regimes democráticos inclui em sua estrutura constitucional uma Suprema Corte ou um tribunal constitucional com jurisdição para arbitrar as tensões inevitáveis que surgem entre democracia e constitucionalismo, ou seja, entre soberania popular e valores constitucionais.

Tais tribunais são, em última análise, as instituições responsáveis por proteger os direitos fundamentais e as regras do jogo democrático contra qualquer tentativa de abuso de poder por parte da maioria. Experiências recentes na Hungria, Polônia, Turquia, Venezuela e Nicarágua mostram que, quando falham em cumprir esse papel, a democracia entra em colapso ou sofre grandes retrocessos.

Nos últimos anos, vários eventos desafiaram a prevalência do constitucionalismo democrático em muitas partes do mundo. Esse fenômeno tem sido caracterizado como “recessão democrática”, “retrocesso democrático”, “constitucionalismo abusivo”, “autoritarismo competitivo”, “democracia iliberal” e “legalismo autocrático”. Mesmo democracias consolidadas enfrentaram momentos de turbulência e descrédito institucional, à medida que o mundo testemunhou a ascensão de uma onda populista autoritária, antipluralista e anti-institucional que representa séria ameaça à democracia.

Populismo pode ser de direita ou de esquerda, mas a onda recente tem sido caracterizada pela prevalência do extremismo de direita, frequentemente racista, xenófobo, misógino e homofóbico. Enquanto no passado existia uma Internacional Comunista, hoje, é a extrema direita que tem uma grande rede global. A marca do populismo de direita é a divisão da sociedade em nós – o povo puro, decente e conservador – e eles –as elites corruptas, liberais e cosmopolitas.

O populismo autoritário decorre dos desvãos da democracia, das promessas não cumpridas de oportunidade e prosperidade para todos. São muitos os fatores que levam a essa frustração democrática, dos quais se destacam 3:

políticos – as pessoas não se sentem representadas pelos sistemas eleitorais existentes, sentindo-se sem voz ou relevância;

sociais – pobreza, estagnação ou decréscimo de renda e aumento da desigualdade;

cultural-identitários – uma reação conservadora à agenda progressista de direitos humanos que prevaleceu nas últimas décadas, com a proteção dos direitos fundamentais de mulheres, afrodescendentes, minorias religiosas, gays, populações indígenas e meio ambiente.

O populismo extremista autoritário adota, muitas vezes, estratégias semelhantes em diferentes partes do mundo, incluindo: 1) comunicação direta com apoiadores, mais recentemente por meio das redes sociais; 2) contorno ou cooptação das instituições intermediárias que fazem a interface entre a sociedade e o governo, como o Legislativo, a imprensa e a sociedade civil; e 3) ataques às Supremas Cortes e aos tribunais constitucionais, bem como tentativas de capturá-los por meio da nomeação de juízes submissos.

Como sugere o título original deste artigo (“Democracia, mídias sociais e liberdade de expressão: ódio, mentiras e a busca da verdade possível”, já publicado anteriormente no exterior, em inglês), uma das principais preocupações nessa temática é o uso de campanhas de desinformação, discursos de ódio, crimes contra a honra, mentiras e teorias conspiratórias para avançar esses objetivos antidemocráticos. Essas táticas ameaçam a democracia e as eleições livres e justas, porque enganam os eleitores, violam direitos fundamentais, silenciam minorias e distorcem o debate público, minando os valores que justificam a proteção especial da liberdade de expressão.

A “decadência da verdade” e a “polarização dos fatos” desacreditam as instituições e, consequentemente, fomentam a desconfiança na democracia”.

Internet, mídias sociais e liberdade de expressão

O mundo vive sob a égide da 3ª revolução industrial, também conhecida como a revolução tecnológica ou digital. Algumas de suas principais características são a massificação de computadores pessoais, a universalização dos telefones celulares inteligentes e, acima de tudo, a internet, conectando bilhões de pessoas no planeta.

Um dos principais subprodutos da revolução digital e da internet foi o surgimento de plataformas de mídias sociais como Facebook, Instagram, YouTube, TikTok e aplicativos de mensagens como o WhatsApp e o Telegram. Vivemos em um mundo de apps, algoritmos, inteligência artificial e inovação em ritmo acelerado, onde nada parece realmente novo por muito tempo. Esse é o cenário em que se desenrola a narrativa a seguir.

O impacto da internet

A internet revolucionou o mundo da comunicação interpessoal e social, expandiu exponencialmente o acesso à informação e ao conhecimento e criou uma esfera pública na qual qualquer um pode expressar ideias, opiniões e disseminar fatos.

Antes da internet, a participação no debate público dependia, principalmente, da imprensa profissional, que investigava fatos, seguia padrões da técnica e da ética jornalística e era responsável por danos se publicasse informações falsas, deliberadamente ou por negligência. Havia controle editorial e responsabilidade civil relativamente à qualidade e à veracidade do que era publicado.

Isso não significa que fosse um mundo perfeito. O número de meios de comunicação é limitado e nem sempre plural, empresas jornalísticas têm seus próprios interesses e nem todas distinguem com o cuidado necessário fato de opinião. Ainda assim, havia um grau mais refinado de controle sobre o que se tornava público, bem como consequências negativas pela publicação de notícias falsas ou discursos de ódio.

A internet, com o surgimento de sites, blogs pessoais e redes sociais, revolucionou esse universo. Criou comunidades on-line para textos, imagens, vídeos e links criados pelo usuário, publicados sem controle editorial e sem custo. Tais inovações amplificaram o número de pessoas que participam do debate público, diversificaram as fontes de informação e aumentaram exponencialmente o acesso a elas.

Essa nova realidade deu voz às minorias, à sociedade civil, aos políticos, aos agentes públicos, aos influenciadores digitais e permitiu que as demandas por igualdade e democracia adquirissem dimensões globais. Tudo isso representou uma poderosa contribuição para o dinamismo político e a resistência ao autoritarismo, e estimulou a criatividade, o conhecimento científico e as trocas comerciais. Cada vez mais, as comunicações políticas, sociais e culturais relevantes ocorrem por meio dessa tecnologia.

No entanto, o surgimento das redes sociais também levou a um aumento exponencial na disseminação de discurso abusivo e criminoso. Embora essas plataformas não tenham criado desinformação, discursos de ódio ou discursos que atacam a democracia, a capacidade de publicar livremente, sem controle editorial e com pouca ou nenhuma responsabilidade, aumentou o uso dessas táticas. Além disso, e mais fundamentalmente, os modelos de negócio das plataformas agravaram o problema pela utilização de algoritmos que controlam e distribuem conteúdo on-line.

(*) Autor e Fonte: Luís Roberto Barroso – ministro e atual presidente da STF Supremo Tribunal Federal – O presente texto foi publicado no site do Poder360 – Jornalista Fernando Rodrigues.


Compartilhe em Suas Redes Sociais

DEIXE UMA RESPOSTA

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts