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MÚSICA

Chorinho: o sotaque pernambucano do patrimônio brasileiro

–  Gênero recebeu o título de Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro e tem nomes locais entre seus principais difusores

  •  Brasileiríssimo nato, o chorinho nasceu no século XIX, da confluência entre as danças de salão europeias e a musicalidade da diáspora negra. Seja nas populares rodas ou abraçando um modelo camerístico, erudito, tornou-se gênero típico dessa “alma brasileira”. No último dia 28 de fevereiro, foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial brasileiro, em decisão unânime do Conselho Consultivo do IPHAN.
Betto do Bandolim (à frente) e Bozó Sete Cordas (de chapéu) são dois mestres do chorinho em Pernambuco – Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco

O título foi comemorado em todo o Brasil, mas tem em Pernambuco um lugar cativo. Entre icônicos nomes nacionais, alguns pernambucanos foram essenciais na formatação, difusão e consolidação do gênero. Rossini Ferreira,  João Pernambuco, Tia Amélia, Luperce Miranda, Zé do Carmo são alguns deles, que, junto a Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Jacob do Bandolim, entre tantos, fundaram as bases do choro.

Até hoje, o chorinho conta com artistas, músicos, produtores e entusiastas que empunham a bandeira do gênero e veem boas perspectivas com o reconhecimento do choro como patrimônio cultural nacional.

Nossos chorões

“Que esse título sirva de lupa, para que os responsáveis pela cultura no País e tudo desse segmento possam enxergar melhor a importância do Choro, que é o pai e a mãe da Música Popular Brasileira”, declara Bozó Sete Cordas, nome fundamental do choro pernambucano nas últimas décadas.

Marco César tem 50 anos de música e é um dos baulartes do chorinho em Pernambuco | Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco

“Agora, temos mais um motivo para pedir a aprovação de projetos no Brasil todo. Foi muito importante, mas a gente precisa de vontade política para que a gente possa ter esses projetos, para que haja um espaço de shows para o choro, a música instrumental”, diz Marco César, músico e professor referência no Estado e consultor para a Região Nordeste do Dossiê Técnico do Choro elaborado para representar a candidatura do gênero junto ao IPHAN.

“O choro é nosso! Nasceu aqui e eu tenho muito orgulho de fazer parte disso. Isso me enaltece muito, me sinto muito emocionado por essa conquista. E eu acho que agora, depois disso, eu acho que vai facilitar muito”, celebra outra referência, o músico Betto do Bandolim, sobre o título recebido pelo choro.

O sotaque pernambucano

O choro é uma grande base para quem quer tocar bem o instrumento, porque exige muito de técnica, de som, de percepção. Todas as bases para que um músico seja um grande músico, o choro exige”, discorre Marco César sobre a grandiosidade técnica do choro, no qual, por vezes, o virtuosismo é venerado.

Marco César garante: “O choro é uma grande escola, uma grande base para qualquer  pessoa lançar em qualquer outra linguagem que ela queira. Ela pode sair até do choro pro rock; pode sair do choro para o samba; do choro para a música erudita”, diz o professor.

Dada tamanha versatilidade, não poderia ter sido outro o lugar a ter nascido o chorinho que não o Brasil. E justamente por esse dado – ter nascido num país continental e plural em vários aspectos, especialmente, culturais – foi também assimilado de modo particular em cada lugar onde floresceu e ganhou “sotaque” próprio desses territórios.

“Eu acho que sim, que cada região tem o seu jeito, as suas particularidades em um detalhe aqui ou ali na execução, ou através de algum instrumento que ele utiliza ali, que não tinha antes”, considera o músico, bandolinista, Rafael Marques, que ingressou no gênero por volta do início dos anos 2000 e é, atualmente, um dos principais representantes do gênero no Estado.

“O Conjunto Pernambucano de Choro mesmo [criado por e do qual fez parte Marco César] utilizou surdo na gravação de dois chorinhos em um de seus discos. E surdo era uma coisa que não se usava em choro. Então, o surdo teria essa ligação com o frevo”, continua.

“As pessoas têm um preconceito de dizer que nós tocamos o choro diferente por causa do frevo. Eu não concordo”, retruca Marco César. Para ele, o sotaque peculiar que se atribui ao choro pernambucano talvez tenha bebido de uma fonte mais comum à cultura popular nordestina como um todo.

Rafael Marques faz parte da geração que está no choro há cerca de duas décadas | Foto: Murilo Dayo

“Rossini Ferreira – quando mais novo, morava aqui em Recife –, quando foi morar no Rio de Janeiro, ele tinha um conjunto que tocava muita música nordestina, então, o grupo dele era um Regional, assim como Luperce Miranda, que também tocava embolada, tocava coco, tocava frevo, tocava marcha. Então, o nosso sotaque não é só pelo frevo. É também, mas eu acho que é muito mais pelo forró agora.”

Marco César, que tem um grande acervo entre fitas K7, discos, fitas de rolo, entre outras mídias, com raros e preciosos registros do choro e de sua história no Brasil, nos pinça, entre tantas, uma curiosidade: “Luiz Gonzaga começou tocando choros.”

“Quando ele chegou no Rio, começaram a pedir para ele tocar música da terra dele. Ele disse ‘não sei não, mas eu vou treinar’. Algumas semanas depois, voltou lá e tocou. Foi quando ele começou a descobrir que tocando a ‘música nordestina’ ele seria muito mais reconhecido, foi quando ele começou a criar a carreira dele. Mas o início dele foi no choro, porque ele era instrumentista de acordeão. Tem, inclusive, um álbum com vários choros dele”, conta Marco César.

Iniciativas

“Na verdade, para a gente o choro já era patrimônio. Só faltava ser oficial, o que é importante, porque garante a sua preservação, difusão e salvaguarda”, declara Rafael Marques, que junto a outros parceiros como Junior Teles, Bruno Nascimento, Júlio César, Mozart Ramos, Angelo Lima, João Paulo Albertim, conduz a Escola Pernambucana de Choro, no Recife, hoje um espaço de formação da novíssima geração.

Tem muita gente boa e nova chegando, e a Escola tem esse objetivo de formar músicos, nos mais variados instrumentos, aproximando os mais jovens do repertório de clássicos como Ernesto Nazareth, Rossini Ferreira, mas, também de autores mais contemporâneos”, conta Rafael.

“Em termos de mercado, [o título do choro] traz maior visibilidade, abre mais mercado para o gênero ser praticado e difundido. Como consequência, podem vir mais escolas de choro, mais espaços culturais com o choro em evidência”, declara o produtor cultural Wagner Staden Egito, que coordena o coletivo Isto é Choro, criado em 2016.

Por articulação do coletivo, foram criados o Dia Estadual do Choro João Pernambuco (16 de outubro) e o Dia Municipal do Choro Luperce Miranda, no Recife (28 de julho). Lembrando, também, que há o Dia Nacional do Choro, 23 de abril.

O Isto é Choro também foi responsável por viabilizar festivais locais, como o Festival do Choro João Pernambuco e o Festival Recife Carinhoso, que acontece em abril. Também já existe, desde 2005, o Circuito Pernambucano de Choro, que faz a circulação por várias cidades do Estado.

Resistência e novas gerações

“Pernambuco sempre foi um centro do choro. O início do choro no Brasil, muitos nordestinos e pernambucanos tiveram uma participação efetiva: João Pernambuco, Tia Amélia, Luperce Miranda, Zé do Carmo… Pernambuco teve ícones do choro a nível nacional”, lembra Wagner Staden.

Um desses baluartes, Mestre Chocho, nos deixou em 2020, aos 96 anos, vitimado pela Covid-19. Otaviano do Monte, nome de batismo de Chocho, dedicou mais de 70 anos de sua vida ao choro e em 2017 foi reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco, candidatura articulada pelo coletivo Isto é Choro.

Passando por Chocho, Canhoto da Paraíba (nascido no estado vizinho, mas radicado no Recife), Henrique Annes, e outros mestres em décadas posteriores, como os já citados Marco César, Bozó, Betto do Bandolim, Rafael Marques cita os movimentos cíclicos de respiro e “renovação” de gerações que o choro pernambucano vem vivendo nas últimas duas décadas.

Mestre Chocho foi o mais longevo chorão brasileiro: esteve em atividade até os 96 anos de idade, quando faleceu, em 2020 | Foto: Jan Ribeiro/Secult-PE – Fundarpe

“No início dos anos 2000, teve a minha geração, quando comecei com o grupo Arabiando, as gêmeas Maíra e Moema”, discorre Rafael. “Na geração de agora tem Gabriel dos Anjos, Helton Migge, Vitor Castanheiras… tem uma galera muito boa trazendo um novo fôlego pro choro”, completa.

Para Bozó, essa resistência e continuidade do choro pelas gerações posteriores se deve ao caminho pavimentado pelos de agora e pelos que vieram antes. “Hoje tem gente nova por conta desse trabalho que a gente faz… o trabalho de formiguinha. Lá no Rio de Janeiro, tem a Casa do Choro, com Luciana Rabelo e Maurício GarridoEm Brasília, tem a Escola de Choro Raphael Rabelo. Aqui, tem a Roda Infinito, que está atraindo o pessoal jovem. Essa renovação que a gente tem é por conta dessa resistência nossa com o choro”

Roda Infinito, a que Bozó se refere, é o mais novo hype da juventude descolada do Recife e arredores. Apesar de existir há mais de 10 anos – tendo começado em Olinda –, faz cerca de 1 ano e meio que ela reúne uma multidão de apreciadores (por vezes, gente que só vai mais pelo hype do que propriamente pela música, diga-se de passagem) em torno da roda de chorinho informal que acontece todas as terças à noite, no  bar restaurante Fazendinha no bairro das Graças, no Recife, onde está há, mais ou menos, três anos.

Bozó integra a Roda Infinito desde os tempos de Olinda, em que reunia, no máximo, uma dúzia de músicos, numa residência em Olinda. “Hoje tá bombando! Você não sabe a alegria que é pra mim participar dessa roda. É uma emoção sem tamanho. Eu me sinto renovado.”, confessa.

(*) Fonte: Site do Jornal Folha de PE – Jornalista Leonardo Vila Nova  –  Colaboração de Rico Muniz


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