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Atualidades/Efeitos das torres: Depressão, insônia, surdez: o drama dos agricultores que vivem embaixo de parque eólico em Caetés

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Depressão, insônia, surdez: o drama dos agricultores que vivem embaixo de parque eólico em Caetés, Pernambuco

Dois parques eólicos têm literalmente tirado o sono de agricultores de Caetés

A energia eólica virou um grande problema em Caetés, cidade de 28 mil habitantes a 245 km do Recife, conhecida principalmente como local de nascimento de um brasileiro ilustre: o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2014, dois parques de geração de energia, que totalizam 220 torres na zona rural do município no agreste de Pernambuco, foram instalados nas comunidades rurais de Sobradinho e Pau Ferro.

Eles se transformaram em um teste de resistência para um grupo de 120 famílias de pequenos agricultores que vivem bem perto delas — em alguns casos, a cerca de 150 metros — por conta do barulho alto e ininterrupto produzido pelos aerogeradores em uma área acostumada ao silêncio da roça e ao som dos animais da caatinga.

“Vocês que vêm de fora e estão filmando elas, é bonito. Mas venham morar debaixo delas para você ver o barulho por 24 horas, dia e noite. É esse zupo, zupo, zupo… Precisa a pessoa ser forte, forte de Deus, não é de carne e feijão, não”, diz Acácio Noronha, que vive em um sítio de apenas um hectare desde que nasceu, há 64 anos.

Sobradinho é uma das comunidades onde foram instalados os parques eólicos

Os moradores relatam que as torres, com 120 metros de altura e hélices de 50, fomentam ansiedade, insônia e depressão, o que fez com que muitos ali começassem a tomar ansiolíticos. Também falam dos sustos causados pelas sombra das hélices, divisão de famílias e a saída forçada de suas fazendas.

As duas comunidades ficam a cerca de 10 km da réplica da casa de Dona Lindu, (foto) mãe de Lula. A casinha original, de taipa, desmoronou com a chuva. Quando Lula nasceu, Caetés ainda era um distrito de Garanhuns — por isso, o presidente costuma dizer que nasceu ali. Só em 1963, ela se emancipou.

Réplica da casa de dona Lindu, mãe de Lula, na zona rural de Caetés

Além das histórias antigas e orgulhosas, em Caetés fala-se bastante do petista também em tom de preocupação.

Isso porque o governo Lula anunciou para os próximos anos um investimento de R$ 50 bilhões na chamada transição energética, que pretende substituir gradualmente combustíveis fósseis por recursos renováveis e com menos impactos ambientais, como energia eólica e solar.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), também anunciou um “plano verde”, conjunto de investimentos em políticas ambientais, que também tem como um dos focos a energia eólica.

Hoje, existem 890 desses parques no Brasil, responsáveis por 13% de toda energia elétrica gerada. Até o fim do ano, a expectativa do setor é chegar a mil usinas.

O receio de ativistas e pesquisadores é que o modelo implantado em Caetés se espalhe para outras cidades que hoje são alvo do interesse das empresas.

No Brasil, a executiva Elbia Gannoum, (foto) presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), reconhece os problemas de Caetés. Ela classifica os parques da cidade como “antigos, construídos antes da regulação que prevê um distanciamento de 400 metros entre torres e residências.”

“No Brasil, os grandes parques saíram a partir de 2011. E nós temos alguns que chamamos de mais antigos, que foram construídos no modelo regulatório distinto do atual”, explica Gannoum.

É importante saber que a energia eólica é, sim, uma fonte limpa, renovável, que vai ser importante para a transição energética. Mas tem algumas coisas que nós chamamos de passado que precisam ser resolvidas.”

Os dois parques de Caetés passaram pela mão de várias empresas desde a instalação, em 2014.

Essas mudanças são comuns em um setor em franco crescimento e com fusões entre companhias, incluindo empresas estrangeiras.

Terra dividida

A zona rural de Caetés é dividida em pequenas propriedades na caatinga.

Por volta de 2012, as empresas procuraram agricultores que aceitassem arrendar suas terras para a instalação dos aerogeradores. Esse modelo é o mais comum no ramo.

Quem aceitou passou a receber 1,5% do valor da energia gerada em cada torre, cerca de R$ 2 mil mensais.

Essas pessoas, que melhoraram consideravelmente de renda com isso, saíram de suas terras e foram viver na zona urbana.

A reportagem tentou conversar com algumas delas, mas o termo assinado com as empresas exige “confidencialidade” sobre o assunto.

A BBC News Brasil teve acesso a dois contratos oferecidos a agricultores por duas empresas diferentes em cidades do Nordeste.

Além de autorizar a transferência do terreno para outra empresa sem a necessidade do aval do proprietário, um dos documentos afirma que o contrato tem duração de 49 anos e informa que só pode ser rescindido pelo agricultor em “comum acordo” com a companhia.

O prefeito de Caetés, Nivaldo Martins, diz que eólicas são benéficas à cidade

Por outro lado, as empresas têm o direito de quebrar o contrato a qualquer momento, sem custos, se o imóvel tiver algum problema que atrapalhe a produção.

Outro documento afirma que, caso o proprietário descumpra obrigações que tenham força para rescindir o contrato, como o pagamento de taxas e impostos, a empresa pode cobrar uma multa de 30 vezes o valor recebido por ano pela energia gerada.

Ou seja, essa multa pode chegar a milhões de reais e ser superior ao valor do próprio imóvel.

Para João do Valle, ativista da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e diretor do documentário Vento Agreste, o modelo de Caetés é um “latifúndio eólico, no qual as empresas não compram a terra, mas tomam posse dela por décadas.”

“A gente não é contra a energia eólica. E, sim, contra esse padrão trazido ao Nordeste, porque ele se baseia na expulsão de agricultores, violência contra a natureza, adoecimento, divisão de famílias e comunidades”, diz João, que junto à CPT e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tem organizado excursões de camponeses a Caetés.

Já Élbia Gannoum, da Abeeólica, reconhece as reclamações sobre os contratos, e diz que o modelo precisa ser revisto.

“Um parque tem uma estimativa de durar 25 anos, então é normal que os contratos sejam longos. Mas, de fato, existem cláusulas que não fazem sentido para um pequeno agricultor que tem uma ou duas torres, porque ele fica muito tempo preso ao contrato. Estamos discutindo um modelo que seja melhor para os dois lados”, diz.

O prefeito de Caetés, Nivaldo Martins (Republicanos), afirma que, no geral, a chegada das eólicas levou mais benefícios do que problemas à cidade.

“Tem famílias que têm seis torres… Vamos dizer que ela receba R$ 2 mil por cada uma. São R$ 12 mil por mês”, diz. “Os parques tiveram um impacto importante na renda da cidade. As pessoas pegaram esse dinheiro e fizeram construções aqui, ou compraram casas prontas e vieram viver na zona urbana.”

O prefeito, cujo gabinete é decorado com imagens de torres eólicas, afirma que as empresas “não explicaram direito” aos moradores quais seriam os impactos na saúde e que a Secretaria da Saúde do município tem prestado atendimento às comunidades.

Também diz que a prefeitura não teve participação nas negociações com as empresas nem tem direito a royalties pela energia gerada — recebe apenas impostos indiretos.

Simão Salgado deixou seu sítio após pedido da esposa: ‘Não tive escolha’

Seu filho, José Salgado, de 41 anos, resolveu ficar. Mas, cercado por 11 torres da fazenda vizinha, diz que está mudando de ideia.

“Quando desligam os geradores, eu continuo com o barulho na mente. Tanto faz se eles estão funcionando ou não, continuo escutando o zumbido. Comecei com remédios para dormir, mas desisti porque não queria ficar viciado”, explica.

Como muitos em Caetés, José diz não ser contra a eólica. “Sou a favor, porém, sou contra a forma como ela foi jogada dentro da casa das famílias. E, a depender das empresas, a gente vai ter que escolher entre viver no sofrimento ou correr. E onde vou tirar meu sustento? Eu tiro da roça, da terra, do gado, dos animais.”

Para o prefeito Nivaldo Martins, a solução para os moradores é a judicialização. Houve poucos processos até agora, e eles ainda estão em andamento.

“Acho que o ideal seria eles procurarem a Justiça e tentar negociar uma área maior com as empresas… Receber alguma coisa e comprar terras numa área mais distante”, diz.

“Ou então construir dentro do próprio terreno deles, tem gente que tem uma área grande de terra. Você tira sua casa ali de perto, constrói distante. Acho que vai ajudar bastante.”

O agricultor José Salgado convive diariamente com o barulho de 11 torres

‘Vai cair em cima de nós’

Enquanto os agricultores que cederam seus sítios melhoraram de renda, quem ficou embaixo das torres vive essencialmente do Bolsa Família e da produção agrícola.

Em Sobradinho, há casos de famílias que nunca mais se falaram depois da instalação dos parques: uma parte saiu da roça com o dinheiro, enquanto a outra, que ocupa o terreno ao lado, sofre as consequências dessa escolha.

Já o medo das torres afeta essas famílias até na hora de plantar.

“Funcionários da manutenção nos disseram que há cabos elétricos no solo e que há risco de descargas elétricas. Então, a gente não planta mais como antes”, diz Roselma Oliveira, de 35 anos, que se tornou a principal liderança dos agricultores de Sobradinho.

A empresa AES Brasil, responsável por Sobradinho, afirma que atualmente toda a transmissão de energia é feita por linhas aéreas.

Neste ano, Roselma viajou a outras cidades do Nordeste para falar dos impactos na comunidade, e diz ter se encontrado, em Brasília, com ministros do governo Lula, como Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Marina Silva, do Meio Ambiente.

As pastas não responderam aos questionamentos da BBC News Brasil.

No ano passado, a família de Roselma passou por um susto.

A gente estava em casa às 6h da manhã. De repente, uma explosão. Meu marido disse ‘corre, tira as crianças que a torre tá caindo no telhado, vai cair em cima de nós”, conta ela, que gravou um vídeo do momento em que hélice se soltou e caiu a poucos metros de sua casa.

Ninguém ficou ferido, mas a família diz que ficou traumatizada.

No ano passado, a hélice de uma das torres próximas à casa de Roselma Oliveira se desprendeu, assustando a família

A alguns quilômetros dali, em sua casa em Pau Ferro, o antropólogo Alexandre Gomes Vieira, de 30 anos, também registra acidentes, mas, no caso dele, envolvendo pássaros nativos da caatinga que se chocam contra as torres.

Há alguns anos, Alexandre, que herdou de seu bisavô um pequeno sítio, resolveu pesquisar os impactos ambientais e sociais das eólicas em seu mestrado e doutorado na UFPE.

“Constatamos que muitas aves, como gaviões, águias e codornas são atraídas pelas hélices e acabam colidindo com as torres, diminuindo a incidência de espécies que já são raras. Os agricultores relatam que não ouvem mais o canto de alguns pássaros, como o acauã e a mãe da Lua, que têm uma simbologia religiosa”, explica.

Segundo o antropólogo, que faz parte de um grupo de pesquisadores que estuda os impactos da energia eólica, parte da vegetação da caatinga foi suprimida para a construção de estradas para a passagens de veículos durante a instalação e, agora, para manutenção dos parques.

O o antropólogo Alexandre Gomes Vieira passou a pesquisar os impactos das eólicas nas comunidades de Caetés

A ‘resta’

A sombra das torres pode aparecer como miniatura ou com vários metros, como nessa imagem

Um dos fenômenos visíveis das eólicas em Caetés é a “resta”, como os agricultores chamam a sombra das torres.

A depender do horário, a sombra das hélices aparece em vários lugares. Às vezes, ela é bem pequena, e forma o desenho de uma torre em miniatura, girando devagar na parede de alguma casa; em outros momentos, é bem maior e gira rapidamente, cobrindo vários metros de um pasto cheio de animais.

Os moradores de Caetés dizem que a “resta” piora a ansiedade deles, provoca sustos e deixa os animais inquietos.

Esse fenômeno foi descrito por alguns pesquisadores como “efeito estroboscópico”. Há estudos científicos divergentes sobre se ele pode ou não causar problemas de saúde.

De toda forma, a “resta” aparece em vários momentos do dia na casa de Acácio Noronha. “Estou deitado de manhã, tentando dormir, aí vejo um vulto assim. Olha ela ali de novo…”, diz.

Acácio é um dos agricultores que pretendem entrar na Justiça para receber alguma indenização que o ajude a sair de Sobradinho depois de viver a vida inteira ali.

Com os geradores nos fundos, ele se orgulha de dizer que “Lula nasceu no sítio Riacho Fundo de Caetés, em uma casa de taipa, comendo beiju de massa”.

E conta o que falaria ao presidente caso ele aparecesse em Sobradinho: “Se eu tivesse a liberdade de estar em uma reunião com ele, e eu não estivesse muito emocionado e nervoso como estou agora, eu só diria assim: ‘Homem, dê um jeito de tirar nós. Nós, a população da nossa comunidade, estamos debaixo dessas torres’”.

Fonte: BBC/Brasil – https://www.bbc.com/portuguese/articles/cglyg8np3mno

  • Leandro Machado e Vitor Serrano
  • Role,Enviados da BBC News Brasil a Caetés (PE)

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